Hit the world road

sábado, 31 de dezembro de 2011

Eu simplesmente Amo-te.

Eu amo-te sem saber como, ou quando, ou a partir de onde.

Eu simplesmente amo-te, sem problemas ou orgulho: eu amo-te desta maneira porque não conheço qualquer outra forma de amar sem ser esta, onde não existe eu ou tu, tão intimamente que a tua mão sobre o meu peito é a minha mão, tão intimamente que quando adormeço os teus olhos fecham-se.

Pablo Neruda

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Felicidade...

A felicidade é um estado permanente que não parece ter sido feito, aqui na terra, para o homem. Na terra, tudo vive num fluxo contínuo que não permite que coisa alguma assuma uma forma constante. Tudo muda à nossa volta. Nós próprios também mudamos e ninguém pode estar certo de amar amanhã aquilo que hoje ama. É por isso que todos os nossos projectos de felicidade nesta vida são quimeras.
Aproveitemos a alegria do espírito quando a possuímos; evitemos afastá-la por nossa culpa, mas não façamos projectos para a conservar, porque esses projectos são meras loucuras. Vi poucos homens felizes, talvez nenhum; mas vi muitas vezes corações contentes e de todos os objectos que me impressionaram foi esse o que mais me satisfez. Creio que se trata de uma consequência natural do poder das sensações sobre os meus sentimentos. A felicidade não tem sinais exteriores; para a conhecer seria necessário ler no coração do homem feliz; mas a alegria lê-se nos olhos, no porte, no sotaque, no modo de andar, e parece comunicar-se a quem dela se apercebe. Existirá algum prazer mais doce do que ver um povo entregar-se à alegria num dia festivo, e todos os corações desabrocharem aos raios expansivos do prazer que passa, rápida mas intensamente, através das nuvens da vida?


Jean-Jacques Rousseau, in 'Os Devaneios do Caminhante Solitário'

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Semana Puzzle

Esta semana tem sido um verdadeiro puzzle.
Têm havido cortes de electricidade, de água, de internet, de trânsito, de transporte, de vida,...eu sei lá mais o quê!
Com tanto corte e sem comunicação prévia, custa mais viver e trabalhar.
Nunca se sabe o que vai acontecer na hora seguinte.
E quando há luz e não há água? Tenta-se secar o cabelo, ver um bocadinho de TV, fazem-se umas torradas, e acende-se a luz.
E quando há água e não há luz? Toma-se banho, lava-se a louça suja e alguma roupa à mão, faz-se alguma limpeza na casa.
E quando não há nada? Joga-se às cartas, lê-se (muito) e pensa-se na vida (muito, muito).
E se fôr à noite? Vai-se cedinho para a cama.
E quando o trânsito de um dia para o outro muda por causa das obras constantes? Reza-se para que não chova muito para aguentarmos o calor, o pó que vira lama e a espera e o atraso que vira stress.
E quando o dia junta tudo num dia só? Pensa-se que é preciso ter muita imaginação e muita calma quando se tem de trabalhar e se tenta viver em Luanda.
E nem sempre é fácil, mas há coisas piores.
Beijos para todos


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Conta comigo. Sempre.


Conta comigo sempre. Desde a sílaba inicial até à última gota de sangue. Venho do silêncio incerto do poema e sou, umas vezes constelação e outras vezes árvore, tantas vezes equilíbrio, outras tantas tempestade. A nossa memória é um mistério, recordo-me de uma música maravilhosa que nunca ouvi, na qual consigo distinguir com clareza as flautas, os violinos, o oboé.
O sonho é, e será sempre e apenas, dos vivos, dos que mastigam o pão amadurecido da dúvida e a carne deslumbrada das pupilas. Estou entre vazios e plenitudes, encho as mãos com uma fragilidade que é um pássaro sábio e distraído que se aninha no coração e se alimenta de amor, esse amor acima do desejo, bem acima do sofrimento.
Conta comigo sempre. Piso as mesmas pedras que tu pisas, ergo-me da face da mesma moeda em que te reconheço, contigo quero festejar dias antigos e os dias que hão-de vir, contigo repartirei também a minha fome mas, e sobretudo, repartirei até o que é indivisível. Tu sabes onde estou.
Sabes como me chamo. Estarei presente quando já mais ninguém estiver contigo, quando chegar a hora decisiva e não encontrares mais esperança, quando a tua antiga coragem vacilar. Caminharei a teu lado. Haverá, decerto, algumas flores derrubadas, mas haverá igualmente um sol limpo que interrogará as tuas mãos e que te ajudará a encontrar, entre as respostas possíveis, as mais humildes, quero eu dizer, as mais sábias e as mais livres.
Conta comigo. Sempre.

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A todos os mediocres que se sentem poderosos...e que me fazem partir de Portugal

Sempre ouvi dizer que este país "é dos políticos", "dos banqueiros", "dos grandes grupos e famílias". Dos "poderosos". Uma espécie de grupelho nebuloso e indefinido que controla as traves mestras daquilo a que chamamos edifício societário.

Mas o que é comum a toda estas pessoas para além de serem seres humanos, qual é o traço que os distingue dos demais? Para mim o problema não está na profissão, no poder que um qualquer mortal detém ou na maior ou menor influência que alguém é capaz de exercer, na figura distinta ou estatuto, no título ou na conta bancária mais recheada, no apelido pomposo desenhado no cartão de cidadão ou no cargo desempenhado. Há gente boa e válida em todos os lugares. Para mim o verdadeiro problema deste burgo começa no carácter de quem manda, de quem tem acesso a, de quem mexe os cordelinhos, de quem decide o destino das coisas e das pessoas, de quem nos governa ou de quem governa os trilhos que precisamos de percorrer.

E a verdade é que grande parte dos motores da nossa sociedade estão entregues a fracos pilotos, alguns sem carta. A falta de carácter e de honestidade de quem tem as chaves da porta que precisamos de ver entreaberta é muitas vezes evidente. O senhor cínico do elevador dos sonhos é quase sempre um calhau com olhos. Os filhos da mãe estão em todo lado, e lado a lado com as pessoas mentalmente sãs. Misturados, escondidos nos cargos intermédios da podridão.

Amigos de amigos de amigos. Ratos nojentos. Incapazes intelectuais que se alimentam do lixo que os próprios produzem. Na política, nas empresas, na imprensa, na secretária mesmo ao lado (podem olhar) ou no café. E o mais chato é que neste país a meritocracia é pouco mais do que uma palavrinha que consta do dicionário. O mérito e a distinção são geralmente controlados por um qualquer infeliz que na 4ª classe passava a vida entre as barrelas no balneário e as idas ao poste intermináveis no campo de jogos e que, por esse facto, por ter as bolinhas amassadas e recalcamentos inultrapassáveis, vivem a vida numa verdadeira intifada contra quem luta por ser melhor, com medo permanente das sombras e da diferença.

Lambem o rabinho a quem lhes convém e lixam quem não lhes convém. E perdem-se assim pessoas, projectos e ideias válidas. Neste país para alguém conseguir ser o que ambiciona tem de ser cem vezes mais persistente, duzentas vezes mais forte e trezentas vezes mais honesto do que esta corja. E mesmo assim a maioria desiste e parte. Nota a quem se sentir visado por estas minhas palavras: sois uns bandalhos sem alma ou vergonha. E no dia em que este país mudar e deixar de premiar a mediocridade, o vosso reinado termina à mesma velocidade que começou.E nesse dia quero estar no camarote a assistir.

In Portugal: O País dos filhos da mãe por Tiago Mesquita

domingo, 14 de agosto de 2011

O machismo português e as traições amorosas por Miguel Esteves Cardoso

Na gíria portuguesa, os palitos são a versão económica, e mais moderna, dos cornos. Os cornos, à semelhança do que aconteceu com os automóveis e os computadores, tornaram-se demasiado volumosos e pesados para as exigências do homem de hoje. Daí a crescente popularidade dos mais portáteis e menos onerosos palitos. Contudo, visto que se vive presentemente um período de transição, em que os novos palitos ainda se vêem lado a lado com os tradicionais cornos, continuam a existir algumas sobreposições. Uma delas, herdada do antigamente, deve-se ao facto dos palitos não se saldarem numa diminuição proporcional de sofrimento. Ou seja, não dão uma mera dor de palito — dão à mesma, incontrovertivelmente, dor de corno. Não é mais carinhoso, por isso, pôr os «palitos» a alguém — continua a ser exactamente o mesmo que pôr os outros.

Tudo isto vem a propósito da forma atípica, entre os povos latinos, que assume o machismo português. Não se trata do machismo triunfalmente dominador, género «Aqui quem manda sou eu!», do brutamontes que não dá satisfações à mulher. Não — o machismo português, imortalizado pelo fado «Não venhas tarde», é um machismo apologético, todo «desculpa lá ó Mafalda», que alcança os seus objectivos de uma maneira mais eficaz. É, de facto, o machismo que, não só dá satisfações, como vive delas.

O machismo português é o machismo, não da força masculina, mas da fraqueza. Não consiste no homem armar-se em agressor, mas em vítima. O logro é este: o homem apresenta-se sempre à mulher como vítima da natureza «de homem», dele. Ser homem, para o machista português, é ser essencialmente fraco. É um não-ser-capaz de resistir às tentações; um envergonhado «já sabes como é, filha» que serve para legitimar todos os privilégios de que goza (aos quais chama «deslizes»). À mulher não se admitem estes abusos — os copos, as entradas às tantas da manhã, os romances — porque o homem português considera a mulher um ser superior. Como é superior — mais forte, mais séria, mais responsável, mais ajuizada — não tem, muito simplesmente, direito a nada.

O homem trata-a como se trata um deus. Julga que ela sabe tudo e, mesmo quando ele lhe mente, sabe que ela não se convence. Pensa também que ele pode tudo e é daqui que vem o medo enorme que lhe tem. E, tal como se faz com um deus, ele peca e pede perdão, mas sem perdoar em troca — porque um deus, por definição, não pode pecar. Se acaso uma mulher não corresponde a este comportamento divino, é logo considerada uma desgraçada, uma meretriz, uma sem-vergonha. Em suma: no fundo, uma criatura tão baixa e desprezível como um homem.

Logo, é a inferioridade do homem — infinitamente confessada, declarada e propagandeada — que lhe impõe o direito de pecar e ser perdoado, e a superioridade da mulher que lhe confere a obrigação de perdoar. O homem, no machismo português, é pouco mais que uma pilha imponente e irresistível de vulnerabilidades. As outras mulheres atraem-no sempre contra vontade, e ele, coitado, não se consegue defender e vai-se instantaneamente abaixo. Como cantava o Carlos Ramos «Tu sabes bem que eu vou para outra mulher, que eu só faço o que ela quer...». A mulher, cheia de uma compreensão indistinguível da santidade, vê-o da janela, coração a sofrer de amor e de piedade, e apenas lhe pede («com carinho») que não venha tarde, «sabendo que ele vem sempre mais tarde». É este o machismo estritamente português, a meio-caminho entre o «Desculpem qualquer coisinha» e o «Era uma vez um rapaz». Nunca diz, à castelhana, «Quero e posso!»; nem disfarça, à italiana, dizendo «Posso mas não quero». Não. Diz, muito à portuguesa «Não quero, mas o que é que tu queres?, é o que posso...». O homem português nunca tem culpa. Arrepende-se sempre, mas não tem culpa porque não consegue deixar de fazer (por muito que não tente) as coisas que lhe apetece imenso fazer. A mulher, em contrapartida, tem quase sempre culpa. Tem, por exemplo, a culpa de atrair o homem, não porque o queira atrair (o querer ou não é irrelevante), mas, simplesmente, porque é mulher, e ele é homem, e não há absolutamente nada a fazer...

O machismo português não é afirmativo e orgulhoso frente à mulher. É um machismo conjuntivo — «Eu bem gostaria de ser fiel, mas...», ou «Eu bem gostaria de passar mais tempo em casa, mas...», ou ainda «Eu bem gostaria de não ser como sou, mas...». É esse «mas» que torna o machismo português diferente — não é tanto de macho como de «mas», não é tanto um autêntico machismo como um masismo. Ele não é senhor do seu destino, como ela é do dela (e do dele). As coisas acontecem-lhe, ele bem tentou; foi uma coisa que lhe deu, ele nem sequer deu por ela, e, pronto, «o que é que tu queres, filha?», aconteceu...

A relação entre o homem português e a mulher é vista (pelo homem), como a relação que tem cada um com a sua consciência. E, ao passo que cada um pode andar na boa vai-ela (e depois penitenciar-se), o mesmo não se imagina (nem consente!) à consciência. E, o mais engraçado de tudo, é que a mulher que «sabe tudo», até isto sabe. Ou seja: sabe perfeitamente que esta do «Tu sabes bem...» é pouco mais que uma excelente treta que os homens propagam para poderem pensar que se divertem mais do que as mulheres. O que torna a mulher portuguesa ainda mais superior. Claro.

Tudo isto para regressar, sem dor, à questão dos palitos. A tese central, criação única do machismo português, é esta: É muito fácil pôr os palitos a um homem (basta a mulher olhar para outro), mas é quase impossível pôr os palitos a uma mulher (porque nunca se consegue enganar a consciência). Um homem pode ser, por dá-cá-aquela-palha, um «corno manso», o que é muito pior que ser um corno selvagem ou só semicivilizado. Mas não existe, na língua, correspondência para o sexo feminino. Os palitos são uma coisa terrível que as mulheres podem pôr aos homens mesmo sem chegar a pô-los; mas que os homens nunca podem pôr às mulheres, por muito que lhos ponham. Nesta vantajosa lógica, bastante mais complexa e respeitosa do que aquela que anima outros machismos menos atlânticos, se encontra a alegria e a tristeza do autêntico macho português — aquele que vem sempre mais tarde, mas cada vez mais cabisbaixo.


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Apenas conhecemos fragmentos dos outros

Quando te encontras na base de um importante maciço montanhoso, estás longe de conhecer toda a sua diversidade, não tens nenhuma ideia das alturas que se ergueram por trás do seu cimo ou por trás daquele que te parece ser o cimo, não suspeitas nem o perigo dos abismos nem os confortáveis assentos ocultos entre os rochedos. É apenas se sobes e se persegues o teu caminho que se revelam pouco a pouco aos teus olhos os segredos da montanha, alguns que esperavas, outros que te surpreendem, uns essenciais, outros insignificantes, tudo isso sempre e unicamente em função da direcção que tomares; e nunca te revelarão todos.

O mesmo acontece quando te encontras diante de uma alma humana.

Aquilo que se te oferece ao primeiro olhar, por mais perto que estejas, está longe de ser a verdade e certamente nunca é toda a verdade. É apenas no decurso do caminho, quando os teus olhos se tornam mais penetrantes e nenhuma bruma perturba o teu olhar, que a natureza íntima dessa alma se revela a pouco a pouco e sempre por fragmentos. Aqui é a mesma coisa: à medida que te afastas da zona explorada, toda a diversidade que encontraste no caminho se esbate como um sonho, e quando te voltas uma última vez antes de te afastares, vês apenas de novo esse maciço que te surgia falsamente como muito simples, e esse cimo que não era o único que existia.
Apenas a direcção é realidade; o objectivo é sempre ficção, mesmo quando alcançado - sobretudo neste caso.


Arthur Schnitzler, in 'Observação do Homem'

domingo, 24 de julho de 2011

Considerações - Agostinho da Silva

Já são em número demasiado os que vieram ao mundo para combater e separar; o progresso e valor de cada seita e de cada grupo dependeram talvez desta atitude descriminadora e intransigente; aceitemos como o melhor que foi possível tudo o que nos apresenta o passado; mas procuremos que seja outra a atitude que tomarmos; lancemos sobre a terra uma semente de renovação e de íntimo aperfeiçoamento.
Reservemos para nós a tarefa de compreender e unir; busquemos em cada homem e em cada povo e em cada crença não o que nela existe de adverso, para que se levantem as barreiras, mas o que existe de comum e de abordável, para que se lancem as estradas da paz; empreguemos toda a nossa energia em estabelecer um mútuo entendimento; ponhamos de lado todo o instinto de particularismo e de luta, alarguemos a todos a nossa simpatia.
Reflitamos em que são diferentes os caminhos que toma cada um para seguir em busca da verdade, em que muitas vezes só um antagonismo de nomes esconde um acordo real. Surja à luz a íntima corrente tanta vez soterrada e nela nos banhemos. Aprendamos a chamar irmão ao nosso irmão e façamos apelo ao nosso maior esforço para que se não quebre a atitude fraternal, para que se não perca o dom de amor, para que se não cerre o coração à mais perfeita voz que nos chama e solicita.
Não os queremos trazer ao nosso grémio nem ingressar no deles; apenas desejamos que da melhor compreensão entre uns e outros, do conhecimento das essências, se erga a morada de um Pai que não distingue entre os eleitos e a todos por igual protege e incita; cada um ficará em sua lei; só pretendemos que não tome os de leis diferentes por implacáveis inimigos ou por almas perversas e perdidas; são homens como nós e vão-se dirigindo ao mesmo fim; desde já os vejamos como futuros companheiros.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Na busca da filosofia - Sabedoria de Confucio

A Verdadeira Natureza Humana

A humildade fica perto da disciplina moral; a simplicidade de carácter fica perto da verdadeira natureza humana; e a lealdade fica perto da sinceridade de coração. Se cultivarmos cuidadosamente essas regras na nossa conduta, não estaremos longe do padrão da verdadeira natureza humana. Com a humildade, ou uma atitude piedosa, raramente cometemos erros; com a sinceridade de coração, somos geralmente dignos de confiança; e com a simplicidade de carácter seremos comummente generosos.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Séneca - Filósofo que viveu no ano 4 AC, mas tão actual

Ninguém é feliz quando treme pela sua felicidade. Não se apoia em bases sólidas quem tira a sua satisfação de bens exteriores, pois acabará por perder o bem-estar que obteve. Pelo contrário, um bem que nasce dentro de nós é permanente e constante, e vai sempre crescendo até ao nosso último momento; todos os demais bens ante os quais se extasia o vulgo são bens efémeros. "E então? Quer isso dizer que são inúteis e não podem dar satisfação?" É evidente que não, mas apenas se tais bens estiverem na nossa dependência, e não nós na dependência deles. Tudo quanto cai sob a alçada da fortuna pode ser proveitoso e agradável na condição de o seu beneficiário ser senhor de si próprio em vez de ser servo das suas propriedades. É um erro pensar-se

que a fortuna nos concede o que quer que seja de bom ou de mau; ela apenas dá a matéria com que se faz o bom e o mau, dá-nos o material de coisas que, nas nossas mãos, se transformam em boas ou más.

O nosso espírito é mais poderoso do que toda a espécie de fortuna, ele é quem conduz a nossa vida no bom ou no mau sentido, é nele que está a causa de nós sermos felizes ou desgraçados. Um homem mau faz tudo redundar em mal, mesmo quando aparentemente as coisas se apresentavam excelentes; um espírito justo e íntegro sabe corrigir os erros da fortuna, sabe, pela sua mesma sabedoria, temperar as ocorrências adversas e difíceis de suportar; um tal espírito é capaz de acolher a felicidade com gratidão e temperança, de enfrentar a adversidade com firmeza e coragem. Imaginemos um homem experiente, que não faz nada sem ter analisado totalmente a questão, que nunca tenta nada que esteja acima das suas forças: tal homem nunca alcançará aquele supremo e completo bem acima de todas as contingências se não se sentir seguro em face da insegurança. Se observares os outros (já que costumamos ser melhores juízes em causa alheia), ou se te analisares a ti próprio sem parcialidade, serás forçado a admitir que aqueles bens que tens por desejáveis e preciosos te serão inúteis se previamente não te preparares para a falibilidade do acaso e do condicionalismo que o acompanha.

domingo, 10 de julho de 2011

Sabedoria e Alegria - Séneca in "Cartas a Lucilio"

Vou ensinar-te agora o modo de entenderes que não és ainda um sábio. O sábio autêntico vive em plena alegria, contente, tranquilo, imperturbável; vive em pé de igualdade com os deuses. Analisa-te então a ti próprio: se nunca te sentes triste, se nenhuma esperança te aflige o ânimo na expectativa do futuro, se dia e noite a tua alma se mantém igual a si mesma, isto é, plena de elevação e contente de si própria, então conseguiste atingir o máximo bem possível ao homem! Mas se, em toda a parte e sob todas as formas, não buscas senão o prazer, fica sabendo que tão longe estás da sabedoria como da alegria verdadeira. Pretendes obter a alegria, mas falharás o alvo se pensas vir a alcançá-la por meio das riquezas ou das honras, pois isso será o mesmo que tentar encontrar a alegria no meio da angústia; riquezas e honras, que buscas como se fossem fontes de satisfação e prazer, são apenas motivos para futuras dores.

Toda a gente, repito, tende para um objectivo: a alegria, mas ignora o meio de conseguir uma alegria duradoura e profunda. Uns procuram-na nos banquetes, na libertinagem; outros, na satisfação das ambições, na multidão assídua dos clientes; outros, na posse de uma amante; outros, enfim, na inútil vanglória dos estudos liberais e de um culto improfícuo das letras. Toda esta gente se deixa iludir pelo que não passa de falaccioso e breve contentamento, tal como a embriaguez, que paga pela louca satisfação de um momento o tédio de horas infindáveis, tal como os aplausos de uma multidão entusiasmada - aplausos que se ganham e se pagam à custa de enormes angústias! Pensa bem, portanto, no que te digo: o resultado da sabedoria é a obtenção de uma alegria inalterável. A alma do sábio é semelhante à do mundo supralunar: uma perpétua serenidade. Aqui tens mais um motivo para desejares a sabedoria: alcançar um estado a que nunca falta a alegria. Uma alegria assim só pode provir da consciência das próprias virtudes: apenas o homem forte, o homem justo, o homem moderado pode ter alegria.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Vivo num edificio baixo e tenho o temperamento em lume brando.
Ando a vida a pé e os meus horizontes alargaram-se.
Gasto menos, tenho mais. Compro menos, desfruto sempre.
Tenho casa pequena, mas familia maior, com mais conforto e com mais tempo.
Cada vez mais conhecimentos inuteis e menos certezas sobre os outros.
Não tento julgar ninguém e cada vez quero perceber menos a natureza humana.
Os perito e os problemas só são chamados em tempos de crise e são bem pagos.
A Medicina e o bem-estar vêm de nós, não de fora.
Bebo pouco e nem fumo.
Não desperdiço uma gargalhada nem uma lágrima a mais.
Movo-me ao ritmo dos tempos e irrito-me num mundo tão rápido, com a lentidão dos que me cruzam a vida.
Amanheço a pensar nos outros e por isso, adormeço cansada.
Leio menos porque os olhos não querem, não vejo TV porque a vida não precisa de tanta confirmação, mas medito sobre o que falhei e onde não quero voltar.
Não guardo património, nem rancor, mas não desisto dos meus principios.
Tento viver a vida sem esperar muito materialmente em troca.
Já fui inumeras vezes à lua e conheço alguns marcianos na terra.
Conquisto o meu espaço interior e não interfiro na decoração exterior alheia.
Tenho feito algumas coisas louváveis, mas não pretendo ser a unica.
Limpo diáriamente a minha alma, mas vivo bem sem aspirador.
Conquisto uma minoria, mas incomodo os preconceituosos.
Desaprendo todos os dias, no mau sentido.
Desisti de planear o futuro, dava-me ansiedade.
Sei esperar, mas a vida é demasiado curta.
A informática serviu para bisbilhotar vidas alheias mais depressa.
Comida rápida, heróis com pés de barro,reconhecimento póstumo,fortunas colossais e comportamentos socialmente perfeitos dão-me colesterol alto e taquicardia.
Viagens mundiais e hotéis luxuosos não dão sempre direito a jaccuzzi.
Moral solúvel, comprimidos para se amar e modas descartáveis nem sempre fazem efeito. Nem secundário.
Admiro-me, luto, sigo em frente, passo a maior tempo possivel com quem me ajuda a construir a felicidade e quem me quer.
Sou paciente com os atrasos, amável com os perdidos,tolerante com os achados.
Amo sem esperar ser amada. Porque amar é recomeçar tudo, todos os dias, se assim for preciso. Em nosso nome e em nome dos outros.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Angola e quase a acabar

A viagem desde Portugal correu bem e pareceu-me curta por ser de noite, por ser tão perto, por estar tão contente de voltar a Angola.

Cheguei. Assim que sai do avião, um calor que cola à pele, humido, mas saboroso para mim.

Ainda sem sair do aeroporto, e já me tinham tentado tirar gasosa, suborno, eu sei lá...a troco de favores, de empurrar mala, de dar indicações de caminho. Começei logo a sorrir. A mim, não. Não me enganam. Eu conheço o estilo, o género, a ousadia. Sorri.

E assim que se põe o pé na rua, um mar de gente colorida, asfalto rebentado, transito caótico e algum lixo....África no seu pleno.

As acácias enormes rasgam o chão e estendem os ramos para o céu cheias de flores, os peões atropelam os carros, a vida pulsa a cada esquina...

Estranhamente, vêem-me à memória algumas referências visuais: a Marginal, a Igreja da Sagrada Família, um reclame de neón ainda no topo de um prédio.

Mergulho devagarinho numa parte da minha infância. Estou feliz. Espero que o tempo aqui corra devagarinho para eu poder saborear tudo.




Pois é. Quase a acabar. Por mais que os dias pareçam compridos, acorde cedo e me deite tarde, o tempo voa e cada dia me parece curto.

País grande, população maciça e eu a navegar no meio desta mistura de côr, calor, humidade e humanidade.

Sabe bem estar cá e arrumar mais um bocadinho do passado no sítio certo da minha memória, percorrer o horizonte vasto, cheirar poeira da estrada cor de tijolo batida a tempestade curta que molha e foge.

Em Luanda, a confusão do desassossego e a desarrumação de gente que se mexe, sobrevive, nascendo, vivendo e morrendo ao sabor das horas, dos dias e das noites.

Fora da capital, a paisagem a perder de vista numa vertigem de espaço tão grande, tão imenso que só apetece mergulhar e ficar mesmo por ali.

São quitandeiras, candongueiros, baleizeiros, kinguilas e kazukuteiros, mas também bessanganas, nkankeiros, xaxeiros, dredas e duchas.E mais um enorme vocabulário local que ou se entranha ou se estranha.

E é o funje, a mandioca, o kaombo, o bombó, comida boa e tão diferente.

E para acabar o porte desta gente: trato afável, educado, curioso.

E eu a guardar tudo, por dentro, devagarinho, para poder continuar a saborear mais tarde, qual criança que lambe um rebuçado e volta a embrulhar no papel para mais tarde, com mais calma e tempo, saborear melhor.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Miguel Esteves Cardoso no seu melhor - Elogio ao Amor

Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado.
Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje.
Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.
O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir.
A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também

A vida vale a pena, mas o amor vale mais a pena

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Não sei quem escreveu, mas identifico-me com este texto

Às vezes é o próprio Universo que depura a nossa vida. Outras temos de ser nós a fazê-lo. Como? Reciclando. No vidrão, coloque as coisas opacas e pouco transparentes, os vidros partidos, com rachas ou afiados que possam magoar-nos e já não possam ser reutilizados. Deite fora... os frascos que já tiveram coisas boas dentro, mas que doravante, possam servir para se encher de outras coisas boas na casa de outras pessoas. No papelão, deite fora as cartas que já não quer ler, as multas, os bilhetes não premiados do Euromilhões e da lotaria, as palavras que o feriram, os insultos que alguém muito infeliz possa ter proferido (porque quem insulta é sempre muito, muito infeliz), deite fora as insinuações, os desconfortos, as mentiras, livre-se de tudo sem olhar para trás. Como estamos perante a era digital, deite simbolicamente fora todos os emails dúbios e as frases que nada de bom acrescentaram à sua vida. Pegue nas postagens do Facebook que lhe desagradam e, sem olhar, tire-as da sua vida, proteja-se, mure a sua felicidade. Não precisamos de saber tudo, ver tudo, ler tudo. Há coisas que simplesmente não nos interessam. Há muitas, muitas coisas que só nos fazem sofrer e não convém esgotar a nossa capacidade de nos solidarizarmos com a dor alheia. No lixo orgânico, deite fora os amores mal resolvidos, os beijos que deu e não quis dar, os beijos que não deu e quis dar, deite fora aquela parte do seu coração que alguém fez secar. Não se esqueça, por cada dez pessoas que não gostam de si, há cem que gostam; quando é ao contrário é que é de preocupar. Livre-se das lágrimas, das que chorou inutilmente e, de todo o lixo deitado fora, guarde só as partes boas. Guarde-as, não as menospreze. Todas as dores têm partes positivas que pode reutilizar no futuro. Por último, chame os serviços para lhe levarem os chamados "monstros", aqueles que nenhum caixote pode suportar e não podem ser colocados na Natureza pura porque a sujam e a contaminam. E agora, respire fundo. Além de todos os tesouros que já tinha antes e que guardou com carinho, a sua vida está, provavelmente, muito melhor, cheia de emoções novas, espaço para outras coisas, pessoas, sentimentos, outros beijos, emails, amizades.
Viver é isto e nada mais do que ISTO

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O adiamento é a forma mais mortal da negação

A nossa visão da vida torna-se muito estreita quando queremos que as coisas sejam de certa forma e não as aceitamos como elas de facto são. Este tipo de negação funciona como um narcótico, e como consequência, perdemos partes vitais da nossa experiência.

É o medo da dor que provoca e sustenta esta separação de partes de nós próprios.Para evitar a dor, fechamo-nos a aspectos cruciais da nossa tomada de consciência. No entanto, apesar do bloqueio que criamos, esta separação interna consome-nos.

Por vezes, como individuos ou como membros de um grupo, sacrificamos a verdade para assegurarmos a nossa identidade, ou para preservar o sentido da pertença. Tudo o que ameaça o nosso sentido de segurança gera medo e ansiedade, por isso negamos, separamo-nos dos nossos sentimentos. O resultado final é um padrão desumanizador.

Ficamos separados da nossa vida própria e sentimo-nos muito distantes dos outros.




terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Ano Novo, Crise e Triunfo

Aos poucos que seguem o meu blogue, ficam desde já avisados, que não sou nem constante, nem perfeitinha. Aproveito este momento de ano novo (não sei quando), crise (não sei aonde) e triunfo (sempre, sempre) para informar que tudo mas definitivamente TUDO o que nos acontece é interior e inconscientemente pedido por nós próprios. Nada de treta emocional ou arranjinho profissional de carpir, chorar ou ficarmos indignados com a nossa (pouca) sorte ou oportunidade de vida porque segundo sei e constatei, quase todos no nosso planeta Terra, não nascem de berços de outro, nem cu virado para a lua, mas nuzinhos e forçados a marcar presença logo à nascença.
É mesmo verdade que temos de lutar por aquilo que queremos, por aqueles que amamos e que talvez haja direito a alguma recompensa no fim da estrada. Se conseguirmos fazer esse caminho com alguma lucidez de não nos querermos pôr sempre em questão e não magoarmos ninguém pelo caminho, haverá um momento de sabedoria que nos dará alguma razão em termos de estima intacta, paz interior e alguém por perto. E se pelo meio, conhecermos emoções, pessoas e paisagens que nos tragam mais-valias, aí é Natal todos os dias.
Não é na espera que se consegue a oportunidade, é no triunfo de ir à procura da mesma. Cada deserto pode dar-nos a possibilidade de um oásis, cada dia, uma forma de ser feliz. O meu unico rival são as minhas próprias limitações e enfrentar-me a melhor forma de me superar.Os meus sonhos tornaram-se maiores que as minhas noites e não quero ganhar ou perder, mas fazer cada dia melhor e mais longe porque o amor não é enamoramento, mas forma de vida e de respirar.
Quero respirar muito e fundo. Cada vez mais. Por mim e por aqueles que me amam.